sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Sala das merendas

No palácio nacional de Queluz encontra-se uma das salas mais emblemáticas do rococó português, a sala das merendas.
Sala das merendas
A sala das merendas foi concluída em 1767 de planta quadrada e dimensões pequenas tinha como função proporcionar um ambiente mais recatado para refeições da família real.
Do ponto de vista artístico o chão é em madeira de parquet lembrando muito os motivos utilizados na França daquela época, em especial atenção aos motivos utilizados no palácio de Versalhes, não é a toa que este palácio é chamado o Versalhes português. As paredes apaineladas ou como dizem os franceses em boiserie exibem motivos em estilo rococó com cores onde predominam o verde claro o branco e o dourado materializado na folha de ouro aplicada na pasta de papel.
Sobre as portas encontram-se seis telas onde estão pintadas naturezas mortas chamando a atenção para a função desta sala. Também evidenciando a função desta sala de jantar privada estão entre as paredes apaineladas quatro grandes telas onde se encontram pintados nobres que na sua pausa de caça se entregam aos prazeres da gastronomia participando em merendas de caça. Estas quatro telas claramente ao gosto rococó e como não poderiam deixar de ser, são uma grande alegoria onde estão representadas as quatro estações do ano facilmente identificáveis através das cores e vegetação envolventes.
A coroar esta sala encontra-se o tecto com uma forma simples e hexagonal repetida inúmeras vezes sugerindo favos de mel, no interior destas formas rosas douradas permitem uma maior beleza e harmonia a todo o espaço envolvente.
Pormenor do tecto da sala das merendas

Tela da alegoria do verão
Para quem viver perto ou estiver a pensar em viajar para Lisboa escusado será dizer que ao vivo tudo ganha uma maior amplitude e magnificência. Contudo para quem não tiver essa oportunidade deixo aqui um link (http://sketchup.google.com/3dwarehouse/details?mid=8689c4591280429ec375d8dfa24c19ea&prevstart=0) onde parte deste património artístico se encontra modelado em 3d permitindo até para quem tiver o programa sketchup caminhar dentro desta jóia do rococó português.
Com tanta arte e beleza concentrada em apenas uma sala é caso para dizer viva o rococó.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Em análise: Bosch, As tentações de Santo Antão

Para quem ainda não conhece, as tentações de Santo Antão é um tríptico que está actualmente exposto no museu de arte antiga em Lisboa capaz de fazer inveja a qualquer museu europeu. O seu autor é o pintor holandês Hieronymus Bosch (1450-1516) cujo nome herdou da sua cidade natal s-Hertogenbosch, existindo poucos documentos acerca deste pintor pensa-se que terá vivido toda a sua vida na sua cidade natal. Bosch é considerado por muitos o último e melhor pintor medieval e o primeiro pintor a utilizar o fantástico nas suas obras, facto este que leva a especular como sendo o seu trabalho uma das fontes impulsionadoras do surrealismo no século XX. Apenas cerca de 40 obras de Bosch chegaram aos nossos dias estando as mais importantes expostas em Madrid, Paris, Viena e Lisboa, entre elas claro as tentações de Santo Antão.

As tentações de Santo Antão
As tentações de Santo Antão é uma obra composta por cinco painéis, dois destes exteriores, um central, um esquerdo e um direito.
Esta obra retrata um episódio da vida de santo Antão em que este após ter distribuído toda a sua riqueza pelos pobres, foi viver para o deserto onde foi tentado pelo demónio, permanecendo sempre fiel a Cristo, alem de retratar este episódio esta obra está repleta de simbolismo podendo também ser considerada uma crítica social.
No painel esquerdo exterior está representado uma cena da paixão de Cristo em que Jesus é preso e levado pelos soldados, no painel direito também numa passagem da paixão Cristo, Jesus carrega a cruz sendo acompanhado por santa Verónica que se encontra ajoelhada a seus pés estendendo-lhe um lenço.
No painel esquerdo pode ser observada a primeira parte das tentações de santo Antão sendo este conduzido ora por demónios materializados no céu sobre o santo ora por religiosos que o amparam na passagem da ponte de madeira, em baixo da ponte três figuras demoníacas lêem cartas que lhes chegam por outro demónio que patina sobre o gelo, na parte direita do quadro vemos três figuras do clero, que são de facto demónios a entrarem num bordel cuja entrada é um homem ajoelhado de costas.
No painel direito encontra-se santo Antão ao pé duma árvore, nesta árvore coberta com um manto vermelho encontra-se uma figura feminina que tenta seduzir e despertar a atenção de santo Antão, este sentado á direita desvia o seu olhar para uma mesa onde criaturas tentam aliciar o santo com comida e bebida. Já no plano de fundo encontra-se uma muralha ser invadida enquanto apenas um cavaleiro luta contra criaturas monstruosas.
No painel central, uma igreja em ruínas no centro desvia o olhar do observador sendo este o único lugar do quadro onde não existem demónios, lá dentro da igreja está a figura de Cristo a fazer o gesto da bênção, gesto este repetido pelo santo que se encontra ajoelhado no exterior do edifício. Em redor desta cena do meio habitam seres demoníacos tanto nos ares como em terra, até em volta do santo aquilo que parece ser uma celebração eucarística da nobreza está transformado numa concentração de pessoas cuja sua outra parte é uma criatura demoníaca. No plano de fundo do lado direito encontra-se uma habitação nobre coroada com uma prostituta e do outro lado uma aldeia em chamas.
Esta magnifica obra poderá ter duas interpretações tanto do ponto de vista da crítica social como do ponto de vista religioso, do ponto de vista religioso narra a situação e obra de vida de santo Antão quando foi viver no deserto.
Já do ponto de vista de critica social se repararmos bem no centro do painel central vemos a imagem de Cristo em gesto de bênção como que a abençoar todos os intervenientes daquela cena porem apenas santo Antão lhe responde fazendo o mesmo gesto, isto dá-nos uma imagem muito forte de como apenas poucas pessoas do ponto de vista do pintor poderiam ser consideradas devotas e crentes em Cristo.
Outro factor a ter em conta é a igreja que se encontra em ruínas e vazia apenas com Cristo no seu interior símbolo de degradação e afastamento religioso pois embora esteja a decorrer uma eucaristia esta é no seu exterior se por seres que ora parecem nobres ora demónios, representando que estes embora frequentem a igreja pouco ou nada a respeitam.  
Ao fundo desta igreja no painel central está uma aldeia a arder enquanto que a residência nobre tem no seu cimo uma prostituta, já no painel esquerdo membros do clero frequentam um bordel enquanto que no direito uma cidade é atacada numa muralha, isto tudo indica mais uma vez que embora a sociedade se diga muito religiosa e viva em torno da fé cristã esta é uma falsa fé pois é uma sociedade que frequenta prostituição sendo até capaz de praticar a guerra de modo a obter beneficio próprio. O céu sendo um lugar simbólico onde deveriam aparecer criaturas do bem está adornado por demónios que como se estivessem em festa sobrevoam e apreciam todo o espectáculo.
De uma pintura muito meticulosa criou Bosch esta espectacular obra como forma de lembrar qual o caminho que na sua altura se achava ser o certo de modo a obter salvação após morte afirmando também que demónios podem habitar em qualquer lado desde a alta nobreza ás diferentes pessoas que fazem parte do clero e se deixam tentar por este.
Obra esta de percurso incerto não se sabendo como chegou a Portugal e em que circunstâncias, encontra-se actualmente no museu de arte antiga de Lisboa, para ser apreciada e vista como um exemplo de como uma critica social medieval pode ainda hoje em dia ser aplicada. Para quem ainda não a viu ao vivo com todas as cores e todos os pormenores dignos de se apreciar na pintura de Bosch aconselho a visita ao museu de arte antiga em Lisboa, para quem for entre os dias 14 de Julho a 25 de Setembro de 2011 poderá também ter o privilégio de ver outras duas obras do universo figurativo de Bosch, uma delas da sua oficina (tríptico do Juízo final) e outra de um seu continuador (tríptico das tribulações de Job) ambas emprestadas pelo museu Groeninge de Bruges. Mas falando apenas no tríptico “As tentações de Santo Antão” ver uma obra destas ao vivo vale mesmo a pena.